O roteiro é sempre o mesmo. As ocupações são previamente
anunciadas, as forças de seguranças do Estado do Rio de Janeiro entram
nas favelas apregoando que retomaram "o direito de ir e vir" da
população em 15 minutos (no máximo) sem qualquer resistência por parte
do crime organizado. As bandeiras das corporações envolvidas são
hasteadas, as crianças são colocadas dentro dos "caveirões" (os
blindados da Polícia Militar) e posam, (supostamente) felizes, para
fotos ao lado dos policiais.
Esse espetáculo pirotécnico, sem exageros, a exemplo do
que ocorreu no último final de semana no complexo de favelas da Maré, na
zona norte da capital fluminense, está longe de traduzir a nova
realidade de quem mora em localidades que se mantiveram durantes décadas
sob o domínio do tráfico de drogas, ou mesmo da milícia.
"Eu analiso como um estupro por parte do Estado", afirmou em entrevista ao Terra.
"Você não tem nada do Estado, e de repente entra a força de segurança.
Tudo na base do 'fiquem quietinhos senão vocês vão levar palmadas'. A
população quer saneamento, saúde, educação e cultura. Não vemos de uma
boa forma esse comportamento. Você acaba achatando a população sem um
diálogo", complementou ele, que desde 1992 está inserido no contexto das
favelas ao iniciar projetos sociais no morro do Borel, na zona norte e,
posteriormente, fixar residência na comunidade Santa Marta, dois anos
depois, na época que a favela em Botafogo, zona sul do Rio, vivia sob o
domínio de Marcinho VP, rei do tráfico local na ocasião e protagonista
do livro Abusado, do jornalista Caco Barcellos.
Fernandes foi retratado na publicação, inclusive,
vivendo o personagem Kevin Vargas. Coincidentemente, hoje, o Santa Marta
é a grande vitrine do Estado para a polícia das Unidades de Polícia
Pacificadoras (UPPs). Foi lá que, em 2008, o governo de Sérgio Cabral
instalou a primeira das 38 unidades em funcionamento hoje no Rio de
Janeiro. Muito embora não seja contra a política de retomada de
território, sobram críticas a cerca do "projeto feito para o capital".
"O Santa Marta é o exemplo de tudo o que está acontecendo", analisou. "Tem muita gente vendendo (as casas) porque ficou tudo muito caro. Essas contas abusivas da Light (companhia de luz)
em várias favelas, não só no Santa Marta, mas em várias outras, é um
projeto de poder para o capital entrar, as empresas entrarem e as
populações serem excluídas. O (secretário estadual de Segurança Pública, José Mariano)
Beltrame queria devolver o direito de ir e vir, eu vejo como algo
razoável. Mas a população não está feliz. Você tem que pagar contas
altíssimas. As festas que aconteciam, que agora têm que ser autorizadas.
Mudou muito a rotina de quem vive nesses lugares e não existem
opções."
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