Comerciantes, lavradores e trabalhadores saíram perdendo com derrocada das empresas de Eike Batista
São João da Barra, RJ - Eles não estão
incluídos no processo de recuperação judicial e não farão parte de
nenhum cronograma de pagamento de dívidas. São a ponta menos visível da
crise do grupo X: pequenos empreendedores que investiram para aproveitar
as oportunidades geradas pelos gigantescos investimentos no Porto do
Açu e agricultores que foram desalojados de suas terras para a
construção de um distrito industrial na zona rural de São João da Barra,
onde está sendo instalado o empreendimento.
Como boa parte dos pequenos empreendedores locais, Bastos se viu
envolvido na espiral de calotes que assolou a região após o começo da
crise. Já conseguiu renegociar alguns créditos, mas ainda tem uma fatura
de R$ 30 mil não paga por uma das empresas contratadas para as obras do
porto. Histórias como essa são comuns na cidade e, segundo estimativa
feita pelo pesquisador do Instituto Federal Fluminense (IFF) Roberto
Moraes, que estuda os efeitos da implantação do porto, há hoje pelo
menos R$ 2 milhões em dívidas de fornecedores das empresas X junto a
empresários da região. Como se tratam de subcontratados, estes credores
não fazem parte do processo de recuperação judicial.
Dono de uma pousada e um restaurante na localidade de Grussaí, ao
norte do porto, João Batista Stellet Alves prefere nem dizer o valor do
calote que tomou de um cliente. "É um dinheiro que faz diferença",
lamenta o empresário, que investiu mais de R$ 300 mil na pousada,
inaugurada no fim de 2012. "Mas não quero protestar, porque sempre digo
que não sou fornecedor, sou parceiro", diz ele, com esperança de receber
a dívida e manter a clientela no futuro. No início do ano, manteve taxa
de ocupação de 100% por conta de um contrato com um prestador de
serviços do porto, que reservou todos os quartos para seus
trabalhadores. Hoje, a taxa oscila entre 50% e 75%, nos melhores dias.
Há, na cidade, uma grande interrogação com relação ao futuro do
projeto. "A gente tem notícias aqui de novos contratos no porto e, de
repente, começam a falar da falência do Eike Batista... Vai confiar em
quem?", questiona Bastos. Além do terminal de minérios, seu carro-chefe,
o empreendimento foi projetado para abrigar um complexo siderúrgico, um
polo metal-mecânico, cimenteiras, uma base de apoio à exploração de
petróleo e empresas de tecnologia, entre outros. A siderúrgica foi a
primeira a desistir, como reflexo natural do excedente de capacidade de
produção no mercado mundial após a crise de 2008, e levou consigo o polo
metal-mecânico e o setor de cimento, que estavam ligados à produção do
aço.
Este ano, duas notícias agravaram o clima de incerteza: empresas
ligadas a Eike Batista e apresentadas como âncoras do porto, a Eneva
(ex-MPX) e a OSX anunciaram a suspensão de projetos. A primeira desistiu
de construir uma térmica a carvão, inviabilizada pela fuga das
siderúrgicas - que consumiriam a energia - e pelo recuo do Instituto
Estadual de Meio Ambiente (Inea) na concessão de licença ambiental. A
segunda, após anunciar recuperação judicial, informou que devolverá à
LLX metade da área prevista para o estaleiro, cujo projeto está sendo
revisto.
O governo do estado trabalha para fomentar, na área, um polo de
equipamentos submarinos para a produção de petróleo, em substituição às
empresas que desistiram do investimento. Duas fábricas em implantação
atualmente, da National Oilwell Varco e da Technip, pertencem a esse
segmento. A proximidade com as reservas da Bacia de Campos, maior
produtora nacional de petróleo, e com a cidade de Macaé, de onde a
Petrobras coordena suas operações na região, é apontada como vantagem
comparativa do porto do Açu neste sentido.
Existe a expectativa, também, de que empresas internacionais avaliem a
compra do estaleiro. Qualquer negociação, porém, depende do andamento
do processo de recuperação judicial da OSX, protocolado na Justiça do
Rio na última segunda-feira. De certo, apenas o terminal de minério, com
início de operações previsto para o ano que vem - além das empresas de
equipamentos petrolíferos. "A LLX está com um novo dono (a americana
EIG), que deve retomar os processos. Tenho a esperança que, para meados
de 2014, a coisa volte a acelerar", aposta Alves.
Produtores rurais resistem a desapropriações para obras do distrito industrial
"Eles primeiro chegam de mansinho, medindo as terras. Depois botam a
placa e dizem que é deles". A reclamação do pequeno produtor rural de
São João da Barra Reginaldo de Almeida, em frente ao terreno que
pertence a sua família há 40 anos, foi feita com dedo em riste. Na mira,
uma placa que identifica o terreno contíguo de 13 quilômetros
quadrados, desapropriado para receber o polo siderúrgico da
ítalo-argentina Ternium, no entorno do superporto do Açu. Com a retração
do mercado de siderurgia e a entrada da empresa no grupo controlado
pela Usiminas, porém, o empreendimento foi interrompido em setembro e a
expectativa é que a companhia entregue as terras, hoje improdutivas.
Almeida é um dos produtores rurais que tiveram terras desapropriadas
para a construção do distrito industrial do Açu, que abrigaria parte dos
empreendimentos previstos para o complexo. De acordo com o chefe da
família, Reinaldo de Almeida, de 78 anos, eles perderam um lote de três
alqueires e temem ter que sair do terreno em que vivem e cultivam
maxixe, quiabo e abacaxi. "Eu, meu pai e meus sete irmãos revezamos para
nunca deixar o terreno vazio, porque eles só vêm quando não tem
ninguém", diz o filho Reginaldo, que convive 24 horas por dia com
caminhonetes e uma guarita de segurança privada instalada ao lado da
casa de um dos irmãos.
A operação de desapropriação teve início no final de 2009, com
estudos que definiram a necessidade uma área de 70 quilômetros
quadrados, antes dividida em 466 lotes de pequenos produtores rurais.
Desde então, 292 propriedades já foram desapropriadas, mediante imissão
de posse. Em contrapartida, o governo ofereceu às famílias que residiam
nas terras lotes de, no mínimo, dois hectares em um assentamento próximo
chamado Vila da Terra. Além disso, todos os proprietários, moradores ou
não, ganharam direito a um auxílio-produção de um a cinco salários
mínimos por dois anos. O governo informa que já foram pagos cerca de R$
2,8 milhões em auxílio para 190 famílias, das quais 35 foram para o
assentamento.
Segundo o governo estadual, para os casos em que não houve acordo, já
existem ações na Justiça e, hoje, as indenizações vem sendo feitas por
depósito judicial. A resistência ao processo, que vem sendo usado como
arma pela oposição ao governo Sérgio Cabral, aumenta à medida em que o
projeto do porto perde tamanho. "Não precisava ter abraçado o mundo com
tanta pressa. Esse porto está lá longe e nós perdemos pasto e área para
plantar", diz o produtor Manoel Peixoto, conhecido na região como Manoel
Poeira, de 61 anos.
Manoel levou a reportagem do Brasil Econômico até os
limites da área onde, há um ano, foi detido por resistência à
desapropriação. A área de um alqueire, hoje cercada por arame farpado.
"Me agarraram pelo pescoço e me algemaram com meus dois filhos, como
bandidos", recorda, exaltado. Ele lamentou o fato de terem jogado areia
sobre a terra, que ficou improdutiva - mesmo que não seja usada pelo
porto - e não perdeu a chance de comentar o mau momento de Eike Batista.
"Avião, para subir lá para o céu, precisa de motor potente. Para cair,
não precisa de nada". FONTE: BRASIL ECONÔMICO