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sábado, 30 de abril de 2016

MP APURA ISENÇÕES FISCAIS CONCEDIDAS À CERVEJARIA PETROPÓLIS


EXCELENTÍSSIMA FUX: Como a filha do ministro do STF se tornou desembargadora no Rio



“Eu não me sinto confortável”, disse a desembargadora Marianna Fux, entre sorrisos constrangidos, na sessão de uma das câmaras especializadas em direito do consumidor do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Era a sua vez de votar, mas Fux, novata na corte, estava insegura. “Acho que vou pedir vistas”, disse aos colegas, longe do microfone.

Tratava-se do caso de uma senhora cega que pedia indenização de uma instituição de ensino por não ter conseguido fazer o vestibular para o curso de direito. Segundo ela, não havia na faculdade esquema para deficientes visuais. Os funcionários teriam prometido realizar outra prova especial para ela em nova data, nunca marcada. Mas a idosa já perdera a ação na primeira instância, e a apelação agora em julgamento estava para ser rejeitada.

Lendo seu voto, a relatora sustentava que a faculdade não poderia ser responsabilizada pelo dano porque a candidata desistira voluntariamente do concurso. Ao notar a indecisão da nova colega, abandonou a leitura e passou a explicar, de maneira mais informal, o raciocínio que percorrera para chegar à conclusão. Fux ouvia tudo com atenção. Ao final, tomou coragem: “Acompanho a relatora.”

Ao longo de quatro horas, naquela manhã de março, os desembargadores da 25a Câmara Cível despacharam 170 processos. Foi a segunda sessão de trabalho de Marianna Fux depois de empossada. Não relatou nem revisou nenhum caso, mas se manteve atenta, ora com os olhos vidrados na tela do computador, lendo os processos, ora distribuindo sorrisos e balinhas. Foi acolhida com simpatia pelos colegas, que lhe davam dicas e a avisavam para prestar atenção quando o julgamento demandasse a adoção de alguma nova regra do Código de Processo Civil, reformulado recentemente sob o comando do pai da desembargadora, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux.



O clima amigável na corte fluminense contrasta radicalmente com a controvérsia que cercou o nome de Marianna Fux desde o início de 2013, quando seu pai começou a comunicar as autoridades de que a filha se candidataria a uma das vagas reservadas para os advogados no TJ. Por lei, um quinto dos desembargadores deve ser escolhido entre profissionais do direito, num processo conduzido pela Ordem dos Advogados do Brasil, a OAB. Cabe à Ordem apresentar uma lista de seis nomes, que em seguida os desembargadores reduzem a três, em votação no TJ. A escolha final é do governador do estado, que nomeia um dos três mais votados.

O primeiro a ser informado de que Fux pretendia colocar a filha no tribunal foi o então governador Sérgio Cabral, ele mesmo um cabo eleitoral de Fux-pai em sua disputa pela cadeira no Supremo, em 2011. A Cabral, Fux justificou sua decisão: “Eu não tenho nada para deixar para ela.” Pouco depois, o próprio governador daria a notícia ao então presidente da OAB, Wadih Damous. “O Cabral avisou: ‘Vai cair esse abacaxi no colo de vocês’”, lembrou Damous.

Casado com uma advogada, Cabral sabia que a escolha de Fux-filha provocaria reações no meio jurídico. A vaga no TJ, com salário-base de 30 400 reais (quase o teto do funcionalismo público), mordomias como motorista, auxílio-moradia e benefícios que não raro elevam os rendimentos para mais de 60 mil reais, é ferozmente disputada entre os advogados, que exibem os currículos em campanhas aguerridas e repletas de conchavos. A atuação de um ministro do Supremo certamente desequilibraria o jogo a favor da filha, então uma profissional de 32 anos que pouca gente conhecia.

Dali em diante, todos os passos de Fux-pai e Fux-filha passaram a ser encarados como parte de uma campanha. Por exemplo, o casamento de Marianna com o colega Hercílio Binato, filho de um desembargador, em outubro de 2013. A festa para mil convidados, no Museu de Arte Moderna do Rio, foi uma demonstração de amor paternal. Diante de uma plateia formada por ministros do Supremo, desembargadores, juízes e advogados das mais prestigiadas bancas, o pai da noiva subiu ao palco e cantou uma música feita em parceria com o compositor Michael Sullivan. Flor Marianna, o amor me chama e Flor do amor é Marianna, diziam alguns versos.

Meses depois, em maio de 2014, Fux recebeu desembargadores, ministros de cortes superiores e o governador Luiz Fernando Pezão em um almoço na serra de Petrópolis. Vários convidados chegaram de helicóptero. Por essa época, multiplicaram-se os relatos de telefonemas de Fux a bancas e gabinetes de magistrados e políticos pedindo apoio para a filha. Era, segundo diziam alguns deles, “um campanhão” de porte inédito para uma vaga no TJ.

A piauí conversou com quatro advogados que receberam ligações do ministro do Supremo em 2014. Nas conversas, Fux tratava o caso como questão pessoal, sempre emendando ao pedido frases como “É o sonho dela” ou “É tudo o que posso deixar para ela”. Chegou a mencionar o assalto sofrido pela família em 2003, quando ele e os filhos foram agredidos, amarrados e feitos reféns por bandidos no prédio onde moravam. Segundo Fux, a vaga no TJ seria uma forma de compensar o trauma da filha.

Um dos que receberam uma ligação de Fux foi Wadih Damous, que já havia deixado a presidência da OAB e estava em campanha para deputado federal pelo PT. “Expliquei que não estava mais na OAB, mas ele ponderou que eu ainda exercia liderança sobre os conselheiros e disse que precisava da minha ajuda. Falei que não só não me meteria no assunto, como, se pudesse, não votaria na filha dele.”



Juiz desde 1983, ex-desembargador e ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, a segunda corte mais importante do país depois do stf, Luiz Fux é o carioca mais poderoso do mundo do direito. Estão sob sua guarda processos-chave para o Rio e para os magistrados – como a ação que contesta a validade dos auxílios salariais que permitem a 90% dos atuais colegas de Marianna Fux ganhar bem mais do que o teto do funcionalismo público. Em 2012, o então ministro Carlos Ayres Britto julgou inconstitucionais os auxílios e mandou extingui-los, mas Fux pediu vistas e suspendeu a decisão. Até hoje o processo está bem guardado no fundo de sua gaveta no stf – e os auxílios continuam pingando na conta-corrente dos magistrados.

Também em 2012, Fux impediu, por meio de liminar, a votação no Congresso que daria aos estados não produtores de petróleo uma fatia dos royalties, o que prejudicaria imensamente o Rio de Janeiro (até hoje a questão não foi decidida, mas agora está nas mãos da ministra Cármen Lúcia). É Fux, ainda, quem vai julgar o candidato do PMDB à Prefeitura do Rio, o deputado federal Pedro Paulo, acusado de bater na ex-mulher. No Supremo, mais de 5 mil processos esperam uma canetada sua. “Praticamente todo advogado carioca tem algum caso que depende do Fux”, observa um deles.

Guitarrista e faixa preta de jiu-jítsu, o ministro foi um professor popular na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, UERJ. Oferecia churrascos aos alunos e fazia sucesso entre as moças, que o apelidaram de Julio Iglesias, numa referência à cabeleira negra. Sempre bem colocado nos concursos, era liderança natural entre os juízes.

Depois da posse no stf, destacou-se também pela forma como exerce o poder. Nos primeiros meses de 2014, ofereceu-se para fazer parte da banca de doutorado do maior opositor de sua filha na OAB, o vice-presidente Ronaldo Cramer. A tese de Cramer será avaliada agora, em 14 de abril – e Fux integrará a banca. “Antes ele era querido. Hoje, é temido”, resumiu, entre reiterados pedidos de anonimato, um dos advogados a quem Fux procurou em seu “campanhão”.



A oposição à filha de Fux ganhou força assim que foram feitas as inscrições para a vaga. Alguns candidatos – Marianna Fux entre eles – apresentaram documentos insuficientes, e a OAB estendeu o prazo para que providenciassem a papelada. Tais documentos precisavam provar que o pretendente tinha no mínimo dez anos de experiência, apresentando pelo menos cinco petições, pareceres ou relatórios por ano de exercício da profissão. Fux-filha havia entregue apenas uma carta do prestigiado advogado Sergio Bermudes – amigo de seu pai há décadas –, segundo a qual ela realizava consultoria e assessoria em seu escritório desde 2003. Naquela época, questionado sobre a natureza do trabalho, Bermudes disse que a pupila se ocupava de processos sigilosos, e que por isso não haviam sido declarados no pacote da candidatura.

Já em março passado, ele me disse, por telefone, que a principal ocupação da advogada no escritório era a pesquisa. Bermudes informou que a convidara para estagiar porque a conhecia desde os 3 anos de idade. Mas atalhou: “Quando assumo um estagiário, digo uma frase clichê: Não importa o motivo pelo qual você chegou aqui. Para ficar, tem de ter mérito.” Perguntei então qual havia sido o mérito dela. Bermudes começou a gritar: “Você está querendo esculhambar a Marianna! Você está sendo desonesta!!” E desligou o telefone sem se despedir.

Findo o prazo para a complementação dos documentos, Marianna Fux não havia apresentado trabalhos suficientes para os anos de 2007, 2008, 2009, 2010, 2012 e 2014. Um grupo de 28 conselheiros da OAB pediu a impugnação de sua candidatura, e a celeuma se tornou objeto de notas e reportagens em jornais e revistas. Fux-pai visitou algumas redações. Dizia que a oposição à filha nada mais era do que uma represália do grupo do petista Wadih Damous pelo voto que ele proferira no caso do mensalão, condenando vários quadros do PT. Damous nega que tenha interferido na disputa da OAB.

O clima entre os advogados fluminenses ficou tão tenso que a OAB suspendeu a disputa pela vaga no TJ em agosto de 2014. Na ocasião, o presidente da entidade, Felipe Santa Cruz, disse que pretendia transformar o processo em eleição direta entre os 150 mil advogados do Rio. O projeto das eleições não andou, mas, em fevereiro passado, a seleção para a vaga no TJ foi retomada. Desta vez, num contexto totalmente diferente.

As atenções na OAB estavam voltadas para o impasse em torno do impeachment de Dilma Rousseff, e metade do corpo de conselheiros havia sido renovada. Convocou-se a sessão com apenas dois dias de antecedência – prazo atípico para a situação. O presidente da OAB alegou ter sido necessário acelerar o processo porque o tribunal ameaçava preencher a vaga por conta própria. Em cinco horas, o pedido de impugnação de Marianna Fux foi julgado e descartado. Os candidatos presentes foram sabatinados e a votação foi realizada.

Na sabatina, coube a Marianna responder, por sorteio, à seguinte pergunta: Quem deveria pagar pelos custos das salas dos advogados nos tribunais? Ela recitou: “Pela vez primeira, a Constituição brasileira destinou um capítulo próprio para a advocacia, considerando o advogado essencial à prestação jurisdicional. Sendo assim, entendo que cabe aos tribunais esse encargo.”



Apesar de sete conselheiros terem votado nulo em protesto contra a candidatura de Marianna, ela foi a segunda colocada da lista sêxtupla encaminhada ao tribunal. Teve cinquenta votos. Desses, 29 foram dados por conselheiros novos – um dos quais, inclusive, só votou na filha de Fux. Ao final da sessão, a quase desembargadora desabafou à Folha de S. Paulo: “Foram dois anos e meio de perseguição política, de bullying. Esse aqui é um processo político, mas passei por esta fase. Vamos para a próxima.” (Filha e pai foram procurados pela piauí, mas recusaram-se a dar entrevista.)

No dia 7 de março, os seis nomes da oab foram à votação no Tribunal de Justiça. Grande amigo de Fux-pai, o ex-presidente do tribunal, Luiz Zveiter, defendeu o voto em Fux-filha e em outros dois candidatos. Também entre os magistrados havia quem não apoiasse os Fux – em protesto, 25 faltaram à sessão. O desembargador Siro Darlan, amigo de Luiz Fux há cinquenta anos, compareceu, mas não apoiou a moça. “Tenho o maior carinho por Fux, que é brilhante e honra a nossa carreira. Mas, se eu fosse ele, faria com que meus filhos seguissem o meu exemplo. Trata-se de um cargo republicano. Não é algo que se possa dar a alguém, como um presente.”

O mal-estar, porém, não abalou o triunfo dos Fux. Marianna teve a maior votação da história do tribunal para um candidato a desembargador. Poucas horas depois, a nomeação pelo governador Luiz Fernando Pezão estava no Diário Oficial do estado. Em duas semanas, um grupo de deputados estaduais aprovou na Assembleia Legislativa a proposta de conceder à desembargadora a mais alta comenda do Parlamento fluminense, a Medalha Tiradentes – por sua “enorme contribuição ao nosso estado, através de seu talento e capacidade jurídica”.

Entre a nomeação e a homenagem da Assembleia, Luiz Fux esteve no centro de um almoço regado a vinhos no restaurante Antiquarius, no Leblon, que adentrou a tarde de sexta-feira. Um dos comensais era Zveiter, que logo ao chegar deixou claro o motivo da comemoração: “Aí está o pai da desembargadora!” Recebeu de volta um carinhoso abraço.

REVISTA PIAUÍ

Documento da Lava Jato sugere cartel na Olimpíada

Cartel da Lava Jato participa de mais de 90% dos investimentos na Olimpíada. A partir de dados da Autoridade Pública Olímpica (APO) sobre os projetos relacionados aos Jogos, a Pública levantou as empreiteiras responsáveis por cada empreendimento. Revezando-se em diversos consórcios, Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS, Queiroz Galvão e a Carioca Christiani Nielsen participam de projetos que somam R$ 28,5 bilhões dos R$ 31,2 bilhões calculados pela APO. O mesmo seleto grupo de empreiteiras é investigado na Lava Jato por cartel para obras da Petrobras.

Embora o prefeito Eduardo Paes enfatize a origem privada de boa parte dos investimentos na Olimpíada, pesquisadores apontam distorções no cálculo desses números. No caso da PPP do Parque Olímpico, por exemplo, o R$ 1,15 bilhão de “investimentos privados” corresponde a R$ 850 milhões em terras públicas privatizadas e R$ 300 milhões do aumento de gabarito para construção de prédios na região, benefício também cedido pela prefeitura.
“Também na Vila dos Atletas, a APO calcula o valor da terra privada e o empréstimo da Caixa como recursos privados. Não há coerência na metodologia. Por que isso? Porque, se os recursos são privados, não é necessário realizar o debate público sobre o investimento”, critica Renato Cosentino. Pesquisadora da PPP do Porto Maravilha, Mariana Werneck afirma que, “além de tratar dinheiro do FGTS como investimento privado, eles continuam colocando o Porto Maravilha – que nada mais tem a ver com os Jogos – dentro do cálculo, para aumentar a conta da iniciativa privada”.

Principal interlocutor de Marcelo Odebrecht sobre projetos da Copa e Olimpíada, o executivo Benedito Junior encerrou a carreira de três décadas na maior construtora do Brasil quando a Polícia Federal bateu à sua porta, em fevereiro deste ano, em meio às investigações da Lava Jato. Centenas de documentos foram apreendidos com ele. Entre planilhas com repasses a políticos, há um documento que não traz cifras. No entanto, trata de um negócio bilionário envolvendo o palco principal dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro.



É uma pauta de reunião na qual a Construtora Norberto Odebrecht, a Andrade Gutierrez (AG) e a Carvalho Hosken (CH) aparecem como as empresas responsáveis pelo consórcio do Parque Olímpico da Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio. A data é 11 de fevereiro de 2011. Demoraria mais de um ano para elas serem anunciadas oficialmente como vencedoras da licitação – após disputarem sozinhas uma “concorrência” que elas mesmas conceberam. E mais: favorecendo as empresas, a prefeitura ignorou o próprio prazo para entrega de estudos de viabilidade do empreendimento, impossibilitando a participação de outras concorrentes e direcionando a licitação ao trio vencedor.
Para Paulo Furquim, ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o documento analisado pela Pública (veja abaixo) é um indício de colaboração entre concorrentes que merece ser investigado. “Há um papel de uma empresa que antecipa o que ocorreu depois. Ele não é como uma Mãe Dináh, não está especulando sobre o futuro. Está dizendo coisas sobre o futuro como quem tem segurança do que está acontecendo”, aponta. Professor de direito econômico pela Fundação Getulio Vargas, Mario Schapiro concorda: “Há indicadores que sustentariam uma investigação em várias instâncias, como no âmbito criminal, administrativo através do Cade, de improbidade, enfim, várias investigações deveriam ser feitas com uma pergunta em comum: esta licitação foi dirigida ou não?”.
O Ministério Público do Rio de Janeiro anexou os fatos apontados pela reportagem a um inquérito em andamento sobre os contratos da Olimpíada, afirmando que “em tese, há indícios de possíveis irregularidades”.
De acordo com a pauta da reunião, era preciso “entender o ‘convênio'” entre a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (PCRJ) – a “cliente” – e o Ministério dos Esportes (ME), além de “acompanhar o posicionamento” deste órgão sobre o modelo a ser adotado no empreendimento. Já em abril de 2011, enquanto o ministério avaliava a proposta da prefeitura para entrada de capital privado no negócio sob pretexto de redução de gastos, Benedito Junior e executivos da Carvalho Hosken e Andrade Gutierrez uniram-se e solicitaram formalmente autorização ao município para elaborar o estudo de viabilidade da parceria público-privada. Conhecida como PPP, essa modalidade de contratação é usada em grandes projetos e prevê, em tese, dividir benefícios, custos e riscos de um empreendimento entre o poder público e a parte privada.
Ao acatar o pedido, em maio, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, abriu a oportunidade de outros interessados apresentarem estudos de viabilidade em até oito meses, tendo assim 5 de janeiro de 2012 como prazo final. Mas o consórcio se adiantou. O trio entregou o estudo de viabilidade e a “modelagem jurídico-financeira” da PPP já no final de outubro de 2011. Logo em seguida, com base nessa proposta – desconsiderando a possibilidade de outras empresas se apresentarem nos dois meses seguintes –, a Casa Civil da prefeitura iniciou o trâmite interno da minuta do edital.
“No mínimo, isso é muito estranho. O prefeito não era obrigado a impor este prazo, mas, ao ignorá-lo depois, ele fere a segurança jurídica e uma expectativa legítima de outras empresas que viram o chamamento. Tem um claro problema aí. Não respeitar os termos definidos no ato administrativo que abriu prazo para os demais interessados é indício de desrespeito aos princípios da moralidade e impessoalidade”, analisa Marcus Bacellar. Para o professor de direito administrativo na UFRJ, o estudo apresentado pelas empresas “basicamente direciona todo o edital, pois a modalidade de concessão [PPP Administrativa] foi definida pelas empresas, a forma de remuneração também, o objeto da concessão também, e assim por diante”.
Não à toa, o edital chamou atenção dos órgãos de controle interno da prefeitura. A Controladoria-Geral do Município compilou diversos pareceres com questionamentos à parceria. Entre eles, o da Procuradoria do Município recomenda “avaliar com detalhe os pontos levantados” acerca da relação custo-benefício da PPP. São listados seis desequilíbrios potencialmente lesivos aos cofres públicos na proposta – entre eles, despesas com as remoções, custos cartoriais, gastos de regularização imobiliária e benefícios da concessionária omitidos dos cálculos da proposta.
Na mesma linha, a Secretaria Municipal de Fazenda enumerou quatro despesas assumidas pela prefeitura do Rio que não foram listadas e pediu maior “detalhamento de mecanismos para o pagamento a favor do município nos casos de reequilíbrio econômico financeiro”. Isso porque a prefeitura estava prestes a assumir gastos difíceis de quantificar previamente, como as desapropriações e indenizações na Vila Autódromo. O estudo de viabilidade das empreiteiras considerava a remoção da comunidade, que se tornou símbolo de resistência às remoções, como “fundamental para o desenvolvimento do projeto”.
Os alertas não bastaram. Após ter recebido as solicitações para uma revisão na parceria proposta, Eduardo Paes publicou o edital da PPP mesmo assim. “Os órgãos municipais já apontavam que a proposta adotada por Paes beneficiava muito mais a parte privada que a própria prefeitura. Mesmo assim, o processo administrativo interno da prefeitura passou por cima dessas recomendações. No fim, o Conselho Gestor de PPPs e o Tribunal de Contas do Município (TCM) decidiram pela necessidade urgente de aprovação do processo licitatório”, explica Mariana Medeiros, advogada e mestre em Direito da Cidade com uma pesquisa sobre o Parque Olímpico.

Temendo bloqueio, RJ quer repasse do BNDES a construtora de metrô

O governo do Rio estuda propor ao BNDES que o novo empréstimo para a construção da linha 4 do metrô seja repassado direto do banco às construtoras da obra.

O objetivo é fugir de eventuais futuros bloqueios de contas pela Justiça em caso de novos atrasos no pagamento de aposentadorias e pensões. 
O Estado ainda não sabe como pagará toda sua folha no mês que vem. Ao mesmo tempo, teme não ter dinheiro disponível para concluir a obra até a Olimpíada, como prometido. 
Cerca de 143 mil servidores inativos e pensionistas receberam nesta quinta (28) seus benefícios referentes a março, após duas semanas de atraso. A Justiça sequestrou das contas do Estado R$ 648 milhões para quitar a dívida. 
O Estado afirma que os recursos eram provenientes de empréstimos carimbados para obras. A Secretaria de Obras listou 20 programas de investimentos que seriam afetados com a medida. 
A obra da linha 4 do metrô, compromisso para a Olimpíada de agosto, não foi afetada diretamente. Mas o Estado depende um novo empréstimo de R$ 989 milhões do BNDES para concluí-la. 
"A gente vai ter que fazer um esquema com o BNDES para ele pagar direto [as construtoras]. Não sei como vou fazer", disse o secretário de Fazenda, Júlio Bueno. 
O arresto da verba de operações de crédito pode atrapalhar a aprovação do contrato de empréstimo, que ainda está em análise no banco. 
O BNDES disse, em nota, que "está avaliando o eventual impacto da decisão da Justiça sobre os contratos que possui com o Estado do Rio".
Quase metade do empréstimo em análise pelo banco de fomento é essencial para finalização do trecho olímpico do metrô (Ipanema-Barra). 
A Secretaria de Transporte afirma que ainda falta a colocação dos trilhos entre São Conrado e Leblon e o acabamento das estações. De acordo com a pasta, a obra atingiu 94% de execução e será concluída em julho. 
O financiamento de R$ 9,7 bilhões para a linha 4 causa dor de cabeça há dois anos. 
Técnicos do TCE (Tribunal de Contas do Estado) afirmaram no relatório de análise de contas de 2014 que as construtoras gastaram R$ 472 milhões sem serem pagas. A manobra foi considerada uma "pedalada", por caracterizar uma operação de crédito sem autorização. 
As contas do governo naquele ano foram aprovadas com ressalvas. Os técnicos recomendavam a rejeição.

ARRESTO AMEAÇA 
Em manifestação à Justiça, o governo do Rio afirmou que o arresto das contas põe "em xeque a formalização de novas operações de crédito". 
Diz também que o bloqueio de verbas de empréstimos pode gerar a interrupção de novos repasses, bem como a cobrança antecipada da dívida. 
O Banco do Brasil, um dos que tiveram os empréstimos afetados pela decisão judicial, afirmou que não pode comentar os efeitos do desvio de finalidade dos recurso em razão de "sigilo comercial e bancário". A Corporação Andina de Fomento, outro dos emprestadores, disse, em nota, confiar que "o Estado do Rio terá condições para regularizar sua situação em tempo hábil". 
Já a Caixa afirmou que "a aplicação de penalidades, incluindo-se o vencimento antecipado da dívida, (...) dependerá da capacidade do Estado continuar o pagamento das parcelas do financiamento, bem como de comprovar a aplicação dos recursos já emprestados em projetos de infraestrutura". FONTE


domingo, 24 de abril de 2016

Rioprevidência criou uma sociedade em Delaware (EUA) a Rio Oil Finance Trust.

Sérgio Cabral e Pezão negociaram a  aposentadoria dos cariocas com especuladores internacionais que adquiriram R$ 3,1 bilhões em títulos do fundo (Rioprevidência) em 2014

Isto mesmo, Sergio Cabral e Pezão junto com o PMDB venderam a Rioprevidência, penhoraram a Rioprevidência na bolsa de valores dos EEUU. E como fizeram isto?

O fundo de previdência dos servidores do Estado do Rio captou, ano passado, US$ 3,1 bilhões com títulos de dívida em dólar. Foi uma operação muito bizarra, pois nunca um fundo de pensão brasileiro havia emitido dívida lá fora e a garantia foram os royalties de petróleo que a autarquia receberia no futuro. Para isto contratou e pagou a peso de ouro, consultorias e chamados "especialistas" para como isto leiloar a aposentadoria do servidor carioca.

Contudo, desde então, a cotação internacional do petróleo despencou à metade, a Petrobras reduziu a produção, e, com isso, as receitas do Rioprevidência. A drástica mudança de cenário impactou as expectativas de lucro, levando ao descumprimento de uma cláusula contratual com os credores (covenant) e lesiva a Rioprevidência, que prevê o vencimento antecipado dos títulos, se a estimativa de receitas do devedor cair abaixo de determinado limite.

Os investidores começaram a reter dinheiro e, portanto, o pagamento de aposentadorias do Rioprevidência. O primeiro bloqueio, previsto para o dia 15, estava estimado em US$ 129 milhões (R$ 508 milhões), 38% da receita da autarquia com royalties no terceiro trimestre ou 3,6% de todas as receitas do Rioprevidência para 2015.

A Rioprevidência criou uma sociedade em Delaware, nos EUA, a Rio Oil Finance Trust - quem são os donos?



RESPOSTA: CNPJ 20.303.800/0001-99


Para lançar os papéis lá fora, o Rioprevidência criou uma sociedade em Delaware, nos EUA, a Rio Oil Finance Trust, e cedeu a ela sua receita com royalties e participação especial. Ou seja, toda a receita líquida do Estado do Rio com royalties e participação especial, e equivale a 30% dos recursos recebidos pela autarquia. Uma operação sem sombra de dúvidas lesiva aos interesses do estado do Rio e absolutamente criminosa, que prejudica ao carioca mas que traz benefícios a um grupo de "especialistas" nomeados pelo Sérgio Cabral  e Pezão.

Temos que perguntar também quem são os sócios e os donos da 'Rio Oil Finance Trust'? Serão diretores da Rioprevidência? Esta é realmente uma operação que tem que ser investigada, afinal, seria o correspondente ao INSS criar uma empresa privada, com ações na bolsa, que iriam pagar os aposentados brasileiros. E o INSS repassaria todo o dinheiro para esta empresa privada que faria uma cobrança pelos serviços prestados. Estaríamos vendo com isto a privatização da previdência. Isto é legal?

EUA ou no Brasil

A alternativa da criação da empresa nos EUA seria criar dentro do Brasil. Porque não, afinal os bancos brasileiros estão com lucros exorbitante. Porque não chamar os bancos e fazer a operação no Brasil? Ou será que o objetivo de criar nos EUA seria poder praticar alguma manobra de desvio de recursos e caso fosse feita a operação no Brasil seria mais evidente o desvio?

As emissões e a criação da 'Rio Oil' atraíram alguns dos maiores gestores e chamados "abutres" de títulos do mundo, como Allianz, Pimco, BlackRock e UBS. Mas a derrocada dos preços do petróleo no mundo e a redução de metas da Petrobras fez cair as projeções de lucro da empresa criada pela Rioprevidencia nos EEUU. A gota d’água foi o último relatório trimestral da Rio Finance Oil Trust (leia-se Rioprevidencia), apresentado dia 24, que admitia que uma cláusula covenant havia sido violada. A relação entre o caixa do fundo e suas dívidas no futuro deveria estar acima de 1,5, mas caiu a 1,2. A estimativa é baseada nas projeções para a produção de petróleo calculadas pela consultoria Wood Mackenzie até 2023.

* FUNDO ABUTRE: O termo "fundo abutre" serve para descrever uma entidade comercial privada que,  compra ou adquire, via outras formas de transação, um título de dívida não pago ou em quebra, com o objetivo de obter lucros exorbitantes a médio ou longo prazo. 

Segundo as diretoras da Fitch para a área de finanças estruturadas na América Latina Mirian Abe e María Paula Moreno, uma vez que o covenant foi violado, 60% do fluxo de caixa excedente (dinheiro que sobra após pagamento dos juros da dívida) da Rio Oil Finance Trust ficarão retidos numa conta nos EUA. Em situações normais, seria repassado ao Rioprevidência.

O dinheiro da Rioprevidencia fica retido em uma conta nos EEUU

É de se perguntar como a Rioprevidência pode aceitar e compactuar com cláusulas tão lesivas e además concordar que o dinheiro seja retida em uma conta fora do Brasil. Tem realmente algo de muito grave nesta situação.

No terceiro trimestre, a receita do Rio Oil Finance com royalties foi de US$ 338 milhões. Descontados US$ 48 milhões destinados a despesas correntes e deduções mandatórias (repasse a municípios e ao fundo ambiental, por exemplo) e US$ 75 milhões do serviço da dívida, sobram US$ 215 milhões. Assim, projeta a Fitch, US$ 129 milhões devem ser retidos em uma conta nos EEUU.

— Os royalties são recebidos mensalmente e são reservados para pagamento do serviço da dívida no fim do trimestre. Depois, o excedente é repassado ao Rioprevidência. Só que, uma vez que o gatilho foi acionado, 60% do excedente ficarão depositados em conta reserva até uma decisão dos investidores — disse Mirian.

Agora, para se proteger do risco de calote, detentores dos títulos poderão usar o valor acumulado para pré-pagar a emissão ou perdoar a violação. Se houver perdão, afirmou Mirian, ele deve envolver aumento na taxa da emissão ou multa.

— A antecipação é uma possibilidade real. Mas também imagino alguns investidores temendo que a Justiça brasileira decida contra eles — disse um gestor.

A Fitch rebaixou os títulos da Rioprevidencia (Rio Oil Finance trust) para grau especulativo

Na quarta-feira, a Fitch rebaixou os títulos para grau especulativo (BB+). Desde que foram emitidos, os papéis com vencimento em 2024 já caíram 35,8%.




domingo, 3 de abril de 2016

SuperVia pegou dinheiro do estado e deu o golpe do salário




Visitas a Picciani unem fiscais e empresário envolvido em fraude

Inspetores de ICMS e dono do Grupo Petrópolis se reúnem na firma do presidente da Alerj


RIO - O relógio da recepção marcava 8h01m naquela sexta-feira, 2 de junho de 2014, quando três homens subiram juntos à sala 305 do bloco 4 do condomínio O2 Corporate & Offices, na Barra da Tijuca. Um quarto visitante seguiu dois minutos depois. O destino do grupo era a Agrobilara, empresa de pecuária da família do presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Jorge Picciani (PMDB). A recepção os identificou como Carlos Sérgio Silva Janiques, Cláudio Portugal Gonçalves, Allan Dimitri Chaves Peterlongo (o que subiu depois) e Arnaldo Kardec da Costa. Os três primeiros, fiscais de ICMS no Rio, chefiavam as inspetorias de fiscalização de Supermercados, Bebidas e Substituição Tributária. O quarto, Kardec, é contador e braço direito do empresário Walter Faria, dono do Grupo Petrópolis, fabricante da cerveja Itaipava, cuja trajetória é marcada por suspeitas de envolvimento em casos de fraudes tributárias.

As três inspetorias compõem um grupo de unidades especializadas da Secretaria estadual de Fazenda do Rio, que responde por 80% da arrecadação do ICMS fluminense e só atua com grandes contribuintes.

Embora a Agrobilara seja do ramo de gado de corte, de janeiro de 2014 a julho de 2015 foi frequentada regularmente por fiscais que não a fiscalizam, como registra a lista de visitantes do prédio, obtida pelo GLOBO. Carlos Sérgio, da Inspetoria de Supermercados, foi 15 vezes ao local. Dimitri, que comandou de 2006 a janeiro deste ano a Inspetoria de Substituição Tributária, esteve ali oito vezes. Portugal, inspetor de Bebidas, cinco.

Das 15 visitas de Carlos Sérgio, três coincidem com as do contador da cervejaria: nos dias 8 de dezembro de 2014, às 8h24m, e 6 de fevereiro de 2015, às 10h21m. Em 5 de janeiro de 2015, o fiscal entrou às 8h08m, e Kardec chegou sete minutos depois.

Empresas devem R$1 bilhão

Picciani e Walter Faria, para quem Kardec trabalha, são amigos e parceiros de negócios. As fazendas do deputado, a maioria em Minas Gerais, não são fiscalizadas pelas três inspetorias, ao contrário da fabricante da cerveja Itaipava, cuja dívida no Estado do Rio, contraída somente pelas distribuidoras do grupo, superava R$ 1 bilhão no ano passado.

De 2 de janeiro de 2014 a 7 de julho de 2015, foram registradas 7.854 visitas ao local. Ao subir à Agrobilara com o contador da cervejeira, os três inspetores ignoraram, no mínimo, a posição da Corregedoria da Receita Estadual, contrária a encontros de auditores com fiscalizados fora de repartição fiscal. Pelo menos um deles, Carlos Sérgio Janiques, foi além: comprou, em dezembro de 2014, um imóvel de Antônio Carlos Pestana, também visitante da Agrobilara e dono de uma rede de supermercados. A transação ocorreu no mesmo mês em que a empresa de Pestana foi incluída na lista de firmas fiscalizadas pela Inspetoria de Supermercados, chefiada por Carlos Sérgio.

Levantamento feito pelo GLOBO nos cartórios do Rio revela que Carlos Sérgio e Portugal negociaram, usando seus nomes, 59 imóveis no Rio. Na lista de bens, há apartamentos à beira-mar, casas em condomínios e salas comerciais na Barra e no Centro do Rio. O salário líquido de um fiscal no topo da carreira vai de R$ 17 mil a R$ 20 mil, por causa do teto legal.

Carlos Sérgio fez 25 transações imobiliárias desde que se tornou fiscal da Fazenda, em 1996. Do total negociado, 11 propriedades continuam em suas mãos. Ele é dono, por exemplo, de dois apartamentos no condomínio Península, na Barra. Aquele em que o fiscal reside, no prédio Saint Barth, custou R$ 2,3 milhões, de acordo com a escritura. O outro fica no edifício Aquarela, onde o preço de cada unidade varia entre R$ 1,5 milhão e R$ 2,5 milhões.

Na lista de bens de Carlos Sérgio, aparece ainda um imóvel no condomínio de alto padrão Fazenda Passaredo, na Taquara (Jacarepaguá). Lá, o preço das casas chega a R$ 4 milhões, segundo corretores. Carlos Sérgio consta como dono de outros seis bens em endereços no Recreio e em Jacarepaguá.

A Janiques Assessoria e Empreendimentos Imobiliários, do mesmo inspetor, é dona de um imóvel na Rua Marcos de Macedo 314, em Guadalupe, comprado de Antônio Carlos Pestana em 16 de dezembro de 2014. Na lista de visitantes da Agrobilara, estão registradas três visitas de Pestana. Ele é um dos sócios de uma rede de supermercados liderada pelo Valqueire Hortifrutigranjeiros, em Vila Valqueire.

Pestana já foi denunciado pela Coordenadoria de Combate à Sonegação Fiscal do Ministério Público do Rio por R$ 14 milhões em fraudes tributárias com outra empresa do grupo, a Orti A.C.T.R., ocorridas de 2008 a 2011.

Desde 2 de dezembro de 2014, a rede de Pestana é fiscalizada pela inspetoria de Carlos Sérgio. O processo de transferência do Valqueire Hortifrutigranjeiros da fiscalização regular para a Inspetoria de Supermercados (nº E-04/040/1230/2014) começou por iniciativa da própria especializada, sob a alegação de que a empresa apresentava valores de receitas superiores a R$ 30 milhões.

Já Cláudio Portugal, o inspetor de Bebidas, fez 34 transações imobiliárias. Entre 2010 e 2013, negociou nove apartamentos de classe média em Curicica e uma sala comercial num prédio em Jacarepaguá. No mesmo bairro, o fiscal tem ainda um imóvel no condomínio Fazenda Passaredo e é dono de pelo menos mais três casas.

Portugal chefia Bebidas desde outubro de 2013. Antes, trabalhava na Inspetoria de Substituição Tributária. É o mesmo caso de Carlos Sérgio, nomeado para a Inspetoria de Supermercados na mesma data. Ambos foram comandados por Allan Dimitri, que chefiou a Substituição Tributária até janeiro deste ano, quando se exonerou no mesmo dia em que o site do GLOBO divulgou as visitas que fazia à Agrobilara.

Arnaldo Kardec, o contador da Itaipava que subiu no prédio junto com os três fiscais, esteve outras 18 vezes na empresa dos Picciani. Walter Faria, o proprietário da cervejaria, visitou-a 27 vezes. Em 2008, Kardec, contador de Faria, foi denunciado pelo Ministério Público de Mato Grosso na Operação Vulcano, por corrupção ativa, omissão de informação, declaração falsa às autoridades fazendárias, falsa identidade para realização de operação de câmbio e formação de quadrilha.

Picciani diz desconhecer visitas

O deputado Jorge Picciani disse que desconhece o que os três fiscais e Kardec foram fazer na Agrobilara:

—Se é fato que lá estiveram, o que pode nem ser verdade, eles é que devem responder o porquê. A propósito, lembro que em 2014 eu não tinha mandato.

Ele questionou a lista de visitantes de sua empresa, obtida pelo GLOBO:

— Independentemente da forma como O GLOBO obteve a lista de visitantes registrados na portaria — decerto de modo ilegal, posto tratar-se de local privado —, não se pode atestar a veracidade da mesma. Quem garante que sua fonte não a adulterou por alguma razão desconhecida? Não sou o único dono da Agrobilara.

Picciani lembrou ainda que a empresa, sediada em Uberaba, “capital da pecuária nacional”, tem outros quatro sócios (seus três filhos mais velhos e sua ex-mulher) e também funcionários trabalhando em seu escritório do Rio, cidade onde residem os acionistas.

Portugal disse que não sabe quantas vezes foi à Agrobilara, sempre a pedido do sindicato dos fiscais “para pedir apoio para a aprovação de um projeto de interesse da classe dos auditores”. Ele nega ter encontrado Picciani no local.

Carlos Sérgio também alegou motivação sindical para a visita à Agrobilara. Admitiu ter visto Kardec na empresa, mas disse que não se reuniu com ele, e afirmou ainda que acumulou imóveis com ajuda de financiamentos da Caixa Econômica.

Ricardo Brant, que era presidente do Sindicato dos Fiscais do Rio na época das visitas, disse que não pediu aos fiscais que fossem ao escritório de Picciani. Ele informou que a entidade fez um apelo genérico para que todos os filiados pressionassem os políticos que conhecessem, a fim de aprovar na Alerj projetos de interesse da categoria.

Os demais citados não responderam ao jornal ou não foram localizados.

Medidas internas encolheram tributos pagos por cervejaria

Ações fiscais que se arrastam sem conclusão e impedem a inscrição em dívida ativa; concessão de benefícios contrariando parecer interno; medidas que fazem o tributo encolher. O Grupo Petrópolis, fabricante da cerveja Itaipava, encontra sempre as portas abertas na Secretaria estadual de Fazenda (Sefaz). E algumas das medidas que favorecem a empresa transitaram pela Subsecretaria de Receita da Sefaz, onde estão as inspetorias especializadas chefiadas por Cláudio Portugal (Bebidas), Carlos Sérgio Janiques (Supermercados) e Allan Peterlongo (Substituição Tributária até janeiro deste ano).

Parceria. A Tamoio Mineração, pedreira que tem como sócios um dos filhos de Jorge Picciani e Walter Faria, dono da cervejaria Itaipava: fornecimento de brita para obras olímpicas - Antonio Scorza / Antonio Scorza

Foi pela Subsecretaria de Receita, por exemplo, que passou, no segundo semestre de 2015, a mais recente vitória tributária do grupo. Enquanto as contas do governo estadual iniciavam uma queda rumo ao fundo do poço, uma decisão administrativa, tomada pela Fazenda, derrubou em novembro um mecanismo que permitia ao estado arbitrar o preço da cerveja no varejo, para fins de tributação. Desde então, as próprias empresas apresentam a “pauta” com os valores de referência para cálculo do ICMS.

O mecanismo derrubado, no jargão dos fiscais, chama-se “gatilho”. Ao contrário de outros estados do Sudeste, como Minas Gerais e São Paulo, no Rio, quem estabelece a pauta com o preços da bebidas a ser tributado são os institutos contratados pelos fabricantes de cerveja e chope. Caso haja defasagem pela alta da inflação ou por efeitos de sazonalidade, a Fazenda não tem mais um sistema de controle que possa impor a atualização dos valores no varejo.

Mudança no texto da lei

Em novembro, resolução do titular da pasta, Julio Bueno, extinguiu o gatilho, instituído em dezembro de 2014 pelo ex-secretário Sergio Ruy Barbosa, para evitar fraudes como a cobrança do ICMS sobre a venda da cerveja no verão com base em valores do inverno, quando o preço do produto é menor. Na prática, a secretaria perdeu o poder de estimar os preços nas gôndulas para efeito de Substituição Tributária (ST), cujo modelo de cobrança transfere o recolhimento de ICMS para o início da cadeia produtiva.

O mecanismo do gatilho, que também vigora no Rio Grande do Sul, em Tocantins e no Ceará, é acionado toda vez que a pauta fornecida pelas empresas fica desatualizada. Nesse caso, o cálculo passa a ser feito tomando como base a chamada Margem de Valor Agregado (MVA), que fixa um valor sobre a operação e faz o imposto subir. Com o gatilho, as próprias empresas se interessariam em manter a pauta atualizada.

O processo de extinção do gatilho, concluído em quatro meses (de julho a novembro), não foi a única boa notícia para o Grupo Petrópolis no período. Um contencioso de mais de R$ 1 bilhão em créditos irregulares, acumulados por três distribuidoras de bebidas ligadas ao grupo (Leyroz, Praiamar e Imapi), cujos processos estão parados no Conselho de Contribuintes da Sefaz, não impediu que o governo, em novembro do ano passado, concedesse um benefício fiscal de R$ 687 milhões à fabricante da Itaipava. Ao dar o incentivo, o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) ignorou um parecer jurídico da Secretaria estadual de Desenvolvimento Econômico, que desaconselhava a medida.

O documento listava uma série de riscos e incoerências na operação. Uma das ressalvas lembra que, pelas normas estabelecidas no contrato, a cervejaria poderia quitar o financiamento após dez anos, pagando antecipadamente 33% do valor do saldo devedor. Ou seja, a Itaipava pagaria R$ 226 milhões e estaria livre do problema. O restante, R$ 461 milhões (67% do investimento) ficaria na conta do estado.

Outro ponto levantado é que 87% (R$ 587,8 milhões) do incentivo dado à Itaipava correspondem a um ressarcimento por investimentos já feitos entre 2008 e 2014. Nessa época, porém, ainda estava vigente um outro benefício fiscal que a cervejaria havia recebido do governo Rosinha, em 2005.

Por último, o parecer lembra ainda que não estão claras quais serão as contrapartidas da empresa, como a geração de novos postos de trabalho, em troca do pacote de bondades. O estado argumenta que o benefício dado teve o objetivo de manter 1.400 empregos em tempos de crise nas fábricas da cervejaria.

O decreto de Pezão incluiu a Itaipava no programa Rioinvest, que prevê incentivos a projetos de grande porte com recursos do Fundo de Desenvolvimento Econômico e Social (Fundes). A data da publicação do benefício foi 11 de novembro. Pouco antes, em 20 de outubro, um outro decreto alterou a redação da lei do Fundes, que vigorava desde sua criação pelo então governador Marcello Alencar, em 1997. A mudança no texto autorizou a utilização dos recursos para ressarcimento de investimentos já realizados por empresas que tenham sido contempladas no Rioinvest, como era o caso da cervejaria. Com isso, as linhas de crédito do Fundes, que só financiavam investimentos novos no estado, passaram a viabilizar também projetos de expansão e modernização.

As mudanças na lei do Fundes caíram como uma luva para a Itaipava, que de fato deverá investir mais R$ 100 milhões (além dos R$ 587 milhões já aportados de 2008 a 2014) para expandir suas fábricas em Petrópolis e Teresópolis.

Um levantamento dos processos da Itaipava no Conselho de Contribuintes, que tem a competência para julgar multas contra os grandes devedores de ICMS do estado, mostra que a Itaipava esteve invicta nesse quesito entre 2010 e 2015. No período, cem recursos do grupo Petrópolis contra multas impostas em barreiras fiscais foram apreciados, sendo todos vencidos pela cervejaria.

Diferentemente de sua maior concorrente, a Ambev, que é líder do mercado cervejeiro no país e está na lista dos maiores devedores do estado, com débito de R$ 525 milhões, o grupo Petrópolis não consta da relação. A inscrição na dívida ativa só ocorre após a empresa perder todos os recursos administrativos na Sefaz.

Também no segundo semestre do ano passado, a secretaria cortou o acesso da Coordenação de Combate à Sonegação Fiscal do Ministério Público à base de dados fiscais, medida que prejudicou as investigações sobre grandes sonegadores.

Em nota, a Secretaria de Fazenda sustenta que a decisão do fim do gatilho foi tomada devido à avaliação, feita pelo órgão, de que o mecanismo tornava a Margem de Valor Agregado muito elevada, chegando a 140%. “A Secretaria de Fazenda considera o fim do mecanismo uma iniciativa pioneira e de avanço em relação a outros estados que ainda mantêm essa margem elevada, definida por mecanismo que servia a uma época de altas taxas inflacionárias. Anulamos uma margem que deixou de ter sentido em uma economia estabilizada”, diz a nota.

Grupo nega regalias

O Grupo Petrópolis, procurado pelo GLOBO, afirma que “preencheu todos os requisitos técnicos e legais previstos na legislação para o enquadramento e a obtenção dos benefícios, desde o ano de 2004 até agora”. Em nota, sustenta que os financiamentos foram concedidos após aprovação e comprovação de investimentos realizados, como exigido nesta modalidade. “Esse projeto beneficia dezenas de outras empresas de setores como siderurgia, bebidas e automóveis estabelecidas no Estado do Rio de Janeiro, conforme decretos publicados recentemente”, diz o texto. O Grupo Petrópolis ressalta que não recebeu qualquer “benefício que não tivesse sido concedido aos demais”.

Enquanto a cervejaria recorre a benefícios do governo, não lhe falta dinheiro para ajudar políticos. Nas eleições de 2014, segundo dados que constam no site do Tribunal Superior Eleitoral, as doações do Grupo Petrópolis somaram R$ 101,1 milhões. Nos estados, o PMDB-RJ, presidido por Jorge Picciani, foi o partido campeão na lista de contribuições da cervejaria. O Grupo Petrópolis repassou R$ 10,8 milhões ao PMDB fluminense, o equivalente a 33% do total (R$ 32,5 milhões) de doações feitas a comitês, diretórios estaduais e direções nacionais dos partidos.

Picciani coordenou, na última eleição, a campanha do governador Luiz Fernando Pezão (PMDB), que recebeu R$ 1 milhão em doações do Grupo Petrópolis, de acordo com dados do TSE. No ranking das doações da cervejaria aos estados, depois do PMDB-RJ, aparece o diretório estadual do PSB de Pernambuco, com R$ 3 milhões.

Números

R$ 687 milhões: Valor do benefício fiscal concedido pelo estado à Itaipava no ano passado.

R$ 101,1 milhões: Total das doações feitas pelo Grupo Petrópolis nas eleições de 2014.

Negócios que também envolvem os herdeiros

Em 2011, o filho do inspetor de ICMS Carlos Sérgio Janiques, Lucas Cardoso Janiques, com 19 anos, comprou em leilão, por R$ 102 mil, a vaca Annabela do Tarim, de Paulo Roberto Trindade Júnior. O vendedor é filho de Paulo Afonso Trindade, parceiro de Picciani em negócios pecuários e dono da Investplan, uma das principais prestadoras de serviços de informática ao governo estadual. Ao arrematar a vaca, Lucas tornou-se sócio da fazenda Nova Trindade, da família Trindade, em Uberaba (MG). Segundo Carlos Sérgio, seu filho não é pecuarista e a vaca custou um quarto desse valor .

Em seu perfil no Instagram, Lucas mostra imagens de uma casa em Búzios; de uma viagem com o pai para o torneio de tênis US Open, em Nova York; e do camarote de uma grande rede de supermercados na Sapucaí, onde aparece usando a camisa da empresa, no desfile do Grupo Especial em 2015.

Já Felipe Picciani, filho de Jorge Picciani, é sócio de Walter Faria, o proprietário da Itaipava, na Tamoio Mineração, a principal fornecedora de brita para as obras olímpicas do Rio. Felipe, ao contrário dos irmãos Leonardo (deputado federal) e Rafael (deputado estadual), não ingressou na carreira política. Na família, sua função é administrar as fazendas do Grupo Monte Verde. Ele divide o tempo entre a sede da Agrobilara, na Barra, e as fazendas da família.

Além de ser sócio de Felipe na mineradora, Walter Faria comprou gado diretamente da família Picciani (em 2011, pagou quase R$ 3,45 milhões por 150 cabeças, quitados em parcelas) e em leilão (em 2009, desembolsou para o amigo R$ 440 mil por metade dos direitos comerciais sobre a vaca Florença).

Roberto, o “laranja” que é dono de cem distribuidoras de bebida

Um par de olhos espia pela fresta o portão entreaberto na Rua Silva Fernandes 184, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. O prédio abriga quatro distribuidoras de bebidas ligadas ao Grupo Petrópolis, sendo três delas — Imapi, Praiamar e Leyroz — devedoras de mais de R$ 1 bilhão ao fisco estadual. O dono dessas empresas está por trás de outras 97 distribuidoras da cerveja Itaipava. É o empresário Roberto Luís Ramos Fontes Lopes. A funcionária que olha pelo portão alega que o “doutor Roberto” não costuma aparecer porque mora em São Paulo, de onde comandaria o grupo.

Na firma, não há sinal da Itaipava. Pelo menos uma das distribuidoras ali instaladas já complicou “doutor Roberto”. Ele responde a um processo por fraude tributária contra a Receita Federal e foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) por formação de quadrilha, falsidade ideológica e corrupção ativa, todos os crimes relacionados à Praiamar. Uma placa na entrada do escritório informa os CNPJs das distribuidoras. Não são os mesmos do passado. Nomes e CNPJs de empresas de Roberto Luís vivem mudando. A Leyroz, cujo contencioso com o governo do Rio é de R$ 326 milhões, recebeu baixa e agora se chama E-Ouro Gestão e Participação.

Roberto. Para MP, um testa de ferro - Divulgação / Divulgação

A estratégia de mudar a razão social das empresas de Roberto e/ou de dar baixa nelas é recorrente. Foram identificados mais de 20 casos em consulta ao site da Receita Federal. De acordo com documentos do MP paulista aos quais O GLOBO teve acesso, investigações mostram que a prática pretende esconder cobranças tributárias espalhadas pelo país e evitar o redirecionamento do passivo para a personalidade jurídica da Petrópolis, protegendo-a da tributação.

Para o Ministério Público, Roberto, com suas cem distribuidoras, atua como testa de ferro do Grupo Petrópolis. De acordo com o MP, um dos esquemas de fraude envolvendo a cervejaria é concentrar nas distribuidoras o pagamento dos impostos cobrados pelo modelo de substituição tributária, o ICMS-ST (um ente da cadeia produtiva paga pelo outro e repassa esse custo para o ente seguinte).

Os promotores paulistas afirmam que a Petrópolis estaria fazendo operações simuladas de transferências de bebidas entre a fábrica de Boituva, cidade paulista a 122 quilômetros da capital, e uma de suas filiais no Rio para sonegar o ICMS-ST. Sendo fabricante de um produto sujeito à substituição tributária, a empresa deveria recolher tanto o ICMS próprio, devido por suas operações, como o incidente nas demais etapas da circulação da mercadoria (atacado e varejo). Ocorre que o ICMS-ST não se aplica em operações de transferência entre unidades da mesma empresa. Nesse caso, o tributo cabe ao estabelecimento destinatário, no caso as distribuidora vinculadas a Roberto.

Segundo a promotoria de Sorocaba, as investigações revelaram que as distribuidoras só existiam para burlar o fisco, já que as empresas não têm patrimônio para honrar as dívidas. Dados da Operação Czar, do fisco paulista, estimam que, com o esquema, o Grupo Petrópolis teria deixado de recolher cerca de R$ 600 milhões ao estado de São Paulo de 2006 a 2011.

Por intermédio do advogado, Ricardo Pieri, o empresário alega que o Ministério Público de São Paulo pediu o arquivamento da investigação, “tornando a suspeita manifestamente improcedente". Quanto ao número de distribuidoras, explicou que se deve à dimensão da operação à época, quando suas empresas contavam com mais de dez mil funcionários em diversos estados.

As planilhas apreendidas pela Operação Lava-Jato na casa de um dirigente Odebrecht e divulgadas na semana passada indicam que a cervejaria pode ter usado as distribuidoras de Roberto Luís para mascarar doações eleitorais a políticos.