er

er

sábado, 30 de abril de 2016

Documento da Lava Jato sugere cartel na Olimpíada

Cartel da Lava Jato participa de mais de 90% dos investimentos na Olimpíada. A partir de dados da Autoridade Pública Olímpica (APO) sobre os projetos relacionados aos Jogos, a Pública levantou as empreiteiras responsáveis por cada empreendimento. Revezando-se em diversos consórcios, Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS, Queiroz Galvão e a Carioca Christiani Nielsen participam de projetos que somam R$ 28,5 bilhões dos R$ 31,2 bilhões calculados pela APO. O mesmo seleto grupo de empreiteiras é investigado na Lava Jato por cartel para obras da Petrobras.

Embora o prefeito Eduardo Paes enfatize a origem privada de boa parte dos investimentos na Olimpíada, pesquisadores apontam distorções no cálculo desses números. No caso da PPP do Parque Olímpico, por exemplo, o R$ 1,15 bilhão de “investimentos privados” corresponde a R$ 850 milhões em terras públicas privatizadas e R$ 300 milhões do aumento de gabarito para construção de prédios na região, benefício também cedido pela prefeitura.
“Também na Vila dos Atletas, a APO calcula o valor da terra privada e o empréstimo da Caixa como recursos privados. Não há coerência na metodologia. Por que isso? Porque, se os recursos são privados, não é necessário realizar o debate público sobre o investimento”, critica Renato Cosentino. Pesquisadora da PPP do Porto Maravilha, Mariana Werneck afirma que, “além de tratar dinheiro do FGTS como investimento privado, eles continuam colocando o Porto Maravilha – que nada mais tem a ver com os Jogos – dentro do cálculo, para aumentar a conta da iniciativa privada”.

Principal interlocutor de Marcelo Odebrecht sobre projetos da Copa e Olimpíada, o executivo Benedito Junior encerrou a carreira de três décadas na maior construtora do Brasil quando a Polícia Federal bateu à sua porta, em fevereiro deste ano, em meio às investigações da Lava Jato. Centenas de documentos foram apreendidos com ele. Entre planilhas com repasses a políticos, há um documento que não traz cifras. No entanto, trata de um negócio bilionário envolvendo o palco principal dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro.



É uma pauta de reunião na qual a Construtora Norberto Odebrecht, a Andrade Gutierrez (AG) e a Carvalho Hosken (CH) aparecem como as empresas responsáveis pelo consórcio do Parque Olímpico da Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio. A data é 11 de fevereiro de 2011. Demoraria mais de um ano para elas serem anunciadas oficialmente como vencedoras da licitação – após disputarem sozinhas uma “concorrência” que elas mesmas conceberam. E mais: favorecendo as empresas, a prefeitura ignorou o próprio prazo para entrega de estudos de viabilidade do empreendimento, impossibilitando a participação de outras concorrentes e direcionando a licitação ao trio vencedor.
Para Paulo Furquim, ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o documento analisado pela Pública (veja abaixo) é um indício de colaboração entre concorrentes que merece ser investigado. “Há um papel de uma empresa que antecipa o que ocorreu depois. Ele não é como uma Mãe Dináh, não está especulando sobre o futuro. Está dizendo coisas sobre o futuro como quem tem segurança do que está acontecendo”, aponta. Professor de direito econômico pela Fundação Getulio Vargas, Mario Schapiro concorda: “Há indicadores que sustentariam uma investigação em várias instâncias, como no âmbito criminal, administrativo através do Cade, de improbidade, enfim, várias investigações deveriam ser feitas com uma pergunta em comum: esta licitação foi dirigida ou não?”.
O Ministério Público do Rio de Janeiro anexou os fatos apontados pela reportagem a um inquérito em andamento sobre os contratos da Olimpíada, afirmando que “em tese, há indícios de possíveis irregularidades”.
De acordo com a pauta da reunião, era preciso “entender o ‘convênio'” entre a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (PCRJ) – a “cliente” – e o Ministério dos Esportes (ME), além de “acompanhar o posicionamento” deste órgão sobre o modelo a ser adotado no empreendimento. Já em abril de 2011, enquanto o ministério avaliava a proposta da prefeitura para entrada de capital privado no negócio sob pretexto de redução de gastos, Benedito Junior e executivos da Carvalho Hosken e Andrade Gutierrez uniram-se e solicitaram formalmente autorização ao município para elaborar o estudo de viabilidade da parceria público-privada. Conhecida como PPP, essa modalidade de contratação é usada em grandes projetos e prevê, em tese, dividir benefícios, custos e riscos de um empreendimento entre o poder público e a parte privada.
Ao acatar o pedido, em maio, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, abriu a oportunidade de outros interessados apresentarem estudos de viabilidade em até oito meses, tendo assim 5 de janeiro de 2012 como prazo final. Mas o consórcio se adiantou. O trio entregou o estudo de viabilidade e a “modelagem jurídico-financeira” da PPP já no final de outubro de 2011. Logo em seguida, com base nessa proposta – desconsiderando a possibilidade de outras empresas se apresentarem nos dois meses seguintes –, a Casa Civil da prefeitura iniciou o trâmite interno da minuta do edital.
“No mínimo, isso é muito estranho. O prefeito não era obrigado a impor este prazo, mas, ao ignorá-lo depois, ele fere a segurança jurídica e uma expectativa legítima de outras empresas que viram o chamamento. Tem um claro problema aí. Não respeitar os termos definidos no ato administrativo que abriu prazo para os demais interessados é indício de desrespeito aos princípios da moralidade e impessoalidade”, analisa Marcus Bacellar. Para o professor de direito administrativo na UFRJ, o estudo apresentado pelas empresas “basicamente direciona todo o edital, pois a modalidade de concessão [PPP Administrativa] foi definida pelas empresas, a forma de remuneração também, o objeto da concessão também, e assim por diante”.
Não à toa, o edital chamou atenção dos órgãos de controle interno da prefeitura. A Controladoria-Geral do Município compilou diversos pareceres com questionamentos à parceria. Entre eles, o da Procuradoria do Município recomenda “avaliar com detalhe os pontos levantados” acerca da relação custo-benefício da PPP. São listados seis desequilíbrios potencialmente lesivos aos cofres públicos na proposta – entre eles, despesas com as remoções, custos cartoriais, gastos de regularização imobiliária e benefícios da concessionária omitidos dos cálculos da proposta.
Na mesma linha, a Secretaria Municipal de Fazenda enumerou quatro despesas assumidas pela prefeitura do Rio que não foram listadas e pediu maior “detalhamento de mecanismos para o pagamento a favor do município nos casos de reequilíbrio econômico financeiro”. Isso porque a prefeitura estava prestes a assumir gastos difíceis de quantificar previamente, como as desapropriações e indenizações na Vila Autódromo. O estudo de viabilidade das empreiteiras considerava a remoção da comunidade, que se tornou símbolo de resistência às remoções, como “fundamental para o desenvolvimento do projeto”.
Os alertas não bastaram. Após ter recebido as solicitações para uma revisão na parceria proposta, Eduardo Paes publicou o edital da PPP mesmo assim. “Os órgãos municipais já apontavam que a proposta adotada por Paes beneficiava muito mais a parte privada que a própria prefeitura. Mesmo assim, o processo administrativo interno da prefeitura passou por cima dessas recomendações. No fim, o Conselho Gestor de PPPs e o Tribunal de Contas do Município (TCM) decidiram pela necessidade urgente de aprovação do processo licitatório”, explica Mariana Medeiros, advogada e mestre em Direito da Cidade com uma pesquisa sobre o Parque Olímpico.

Nenhum comentário:

Postar um comentário