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sábado, 10 de agosto de 2013

CABRAL E EIKE BATISTA SÃO DENUNCIADOS PELOS MORADORES DO PORTO AÇU

O coro contra o “Império X” do megaempresário Eike Batista ganhou força nos últimos dias, e não por vozes de grandes empreendedores internacionais, que se colocam como vítimas do magnata brasileiro, mas por denúncias da população do 5º Distrito do município de São João da Barra, que fica a 140 km do Rio de Janeiro, no Norte Fluminense. Um grupo de pequenos agricultores do Açu, que tiveram as suas propriedades desapropriadas para a construção do porto concebido por Eike Batista, o Complexo Portuário do Açu, está processando o governador do Rio, Sérgio Cabral, o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, e também Eike Batista. As acusações são por irregularidades no processo de desapropriação. As vítimas alegam que a Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (CODIN) e a empresa LLX, de propriedade de Eike, estão usando de violência para retirar os moradores dos imóveis, além de constantes ameaças.
O advogado Antônio Maurício Costa, que representa famílias que foram desapropriadas, entrou com uma petição no Superior Tribunal de Justiça (STJ) apresentando notícia crime sobre irregularidades cometidas pelo governo de Sérgio Cabral, pela empresa LLX e pelo presidente do BNDES, que liberou para o poder estadual a verba para manter as atividades de desapropriação.

Pela petição, os agricultores são prejudicados por dois decretos ilegais e arbitrários de desapropriação de aproximadamente 7.200 hectares de terra no Açu, tendo como base o relatório feito pela Associação de Geólogos Brasileiros, no Rio de Janeiro, na retro área do Porto do Açu. Costa conta ainda que, depois que Cabral aprovou os decretos, em 2008, o governador começou a utilizar a frota de aeronaves do grupo de Eike Batista. “O governador assinou decretos prejudicando a população do Açu, num ato arbitrário e fraudulento, que pode ser enquadrado até no crime de peculato, como provo na minha petição. Depois disso, observamos que Eike Batista procurou recompensar o governador Sérgio Cabral com favores pessoais”, destacou Antônio Maurício Costa.
 

 O Açu é formado por propriedades e lotes rurais que foram divididos em 350 pequenas casas e 1.408 loteamentos, com mais de dois mil moradores, segundo dados da Associação dos Geógrafos do Brasil, em estudo feito no ano de 2008. Muitos moradores dessas áreas não possuem escrituras, mas residem no local há mais de 10 anos. Segundo Rodrigo Santos, vice-presidente da Associação de Pequenos Produtores e Agricultores do local (ASPRIM), as fraudes contra a comunidade do Açu começaram com os decretos de 2008, que foi aprovado pela Câmara dos Vereadores de São João da Barra, solicitado pela então prefeita Carla Machado (PMDB), permitindo a formação do condomínio industrial na região, doando as terra para a empresa de Eike Batista, a LLX, empresa de logística do grupo EBX, responsável pela implantação do Porto do Açu, terminais TX-1 e TX-2. Na época, o presidente da Câmara era o atual prefeito de São João da Barra, José Amaro Martins de Souza, o Neco, aliado político do governador do Rio, Sérgio Cabral.
Segundo Rodrigo, os decretos foram votados na Câmara em caráter de urgência no início de 2009 e sofreram alterações para beneficiar a LLX na ocupação do solo e garantiam de doação das terras pela Codin. Em junho de 2009, os requerimentos da Codin foram acatados pela Justiça e as desapropriações tiveram início no Açu. Daí em diante, moradores contam que sucessivos casos de truculência e abuso de poder estão acontecendo no local.
Ameaças são feitas aos moradores para eles abandonarem suas casas, já que muitos não aceitaram as negociações propostas pelo Grupo de Eike Batista. Rodrigo conta que até o momento, as obras estão concentradas numa área bem próxima ao mar, correspondente à apenas 10% do projeto total. Na chamada retroárea, onde foram realizadas as desapropriações, os canteiros de obras não chegaram e os terrenos seguem ociosos desde a desocupação.
Conforme as propriedades foram sendo desocupadas, a LLX foi delimitando os seus limites, para evitar o retorno dos antigos moradores. Segundo Rodrigo, das 350 propriedades do Açu, aproximadamente 250 delas já foram "colocadas abaixo" pelo grupo de Eike Batista. Cerca de 77 famílias ainda permanecem na área repassada pelo governo do Rio à LLX. “Essas pessoas que ainda estão lá já avisaram que vão resistir, porque muitas delas não aceitaram as propostas da empresa e outras retornaram após serem retiradas e reassentadas em locais distantes. Elas alegam que não receberam o pagamento da empresa pelas suas propriedades e estão brigando na Justiça pelos seus direitos”, explicou o presidente da Asprim.
Rodrigo disse que parte das famílias que foi reassentada está numa localidade chamada Fazenda Palacete. Essas receberam uma média de R$ 80 mil pelas suas terras. Elas estão usando o valor do ressarcimento para reconstruir as suas plantações, como forma de renda familiar. Outro grupo, ficou apenas na promessa de pagamento da LLX e estão brigando na Justiça para receber suas indenizações. Esses estão passando por graves necessidades financeiras, morando de favor em casa de amigos e parentes. “É importante deixar claro que essas famílias saíram do Açu sob pressão e tortura psicológica, sendo mal alocadas, sem qualquer planejamento familiar ou que pudesse reduzir os prejuízos da mudança”, ressaltou Rodrigo.
O vice-presidente da Asprim chama a atenção para a forma “autoritária” com que a LLX conduz as suas negociações com os agricultores. Segundo ele, são apresentados dois caminhos aos proprietários: ou concorda com os valores oferecidos pelo grupo empresarial, ou leva para a Justiça a questão da desapropriação, que está sendo efetuada pela Codin e não pela empresa particular que, pelo decreto inicial, estaria responsável pelo serviço. Após a desocupação, a área é doada para a LLX pelo órgão do governo do Estado do Rio. “Tanto que os proprietários rurais negociam diretamente com a LLX”, denuncia Rodrigo.
A comunidade do Açu sobrevivia do plantio e venda de produtos agrícolas, tendo como seus principais cultivos o abacaxi, maxixe, quiabo, jiló, feijão, abóbora, leite e derivados e bovinos. Em 2010, a produção de abacaxi rendeu um total de 4.160 mil frutos, chegando a um total de dois milhões de frutos colhidos até o final do ano. As mercadorias abasteciam os comércios de São João da Barra, Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás, Brasília e Espírito Santo. Com a perda das terras e, consequentemente, dos meios de sobrevivência, a população do Açu procurou o Ministério Público de Campos para fazer as denúncias, através do advogado Antônio Carlos Costa.
Enquanto isso, o freio no ritmo das atividades da LLX no Porto do Açu continua. O nome de Eike Batista circula pela economia mundial como "o homem mais rico de Brasil que perdeu a sua fortuna e ainda manchou a imagem do país no exterior". O cenário leva à população de São João da Barra a incerteza quanto a continuidade das obras no complexo industrial e gera boatos na região do Açu de que o sonho do porto e do estaleiro podem ser adiados para os anos seguintes, já que seguem quase parando. Mas a situação pode ficar ainda pior para o megaempresário. Além dos processos movidos pelos moradores, causas ambientais motivaram outras ações que tramitam no Ministério Público de Campos, movidas por três entidades ligadas às questões sócios-ambientais, a Comissão Pastoral da Terra, o Instituto de Visão Sócio-Ambiental e pelo Instituto de Justiça Ambiental.
Segundo estudo dessas instituições, uma série de crimes ambientais pode estar ocorrendo no Complexo industrial do Açú e já são alvo de investigação. “As áreas de restinga estão sendo degradadas e existe um processo grave de contaminação das águas dos nossos córregos por causa das atividades descontroladas da empresa, que estão elevando os índices de salinidade das fontes naturais. Isso pode acarretar problemas graves para a saúde da população”, conta Rogério dos Santos, que destaca que esse será um novo capítulo na longa novela de irregularidades cometidas pelo grupo do megaempresário. "Não sei se fomos a gota, mas contribuímos bastante para enchermos o copo do SR. Eike o do SR Cabral", completou ele.
Desapropriação termina em morte
Nos cinco anos em que os moradores de São João da Barra convivem com os inúmeros problemas causados pela empresa LLX, muitos fatos desagradáveis aconteceram, mas nada comparado à triste história do idoso José Irineu Toledo, de 83 anos, último morador desapropriado pela Codim. Desde o ano passado que a companhia estadual notificou a família de José Irineu sobre a desapropriação, que só aconteceu em primeiro de agosto deste ano, mesmo dia em que o idoso faleceu num hospital em Campos, vítima de um enfarte. Enquanto a família de José Irineu providenciava o velório e enterro dele, policiais militares, oficiais de justiça, seguranças da LLX e funcionários da Codim desapropriavam a residência da família, amarrando os bois e retirando os pertences pessoais do imóvel. O caso comoveu os vizinhos e toda população da região, tomando dimensões ainda maiores, através dos protestos realizados em diversas partes do município.
José Irineu já tinha sofrido um enfarte um ano antes da sua morte, quando recebeu a notícia de que seu imóvel teria que ser entregue ao estado. A família do idoso entrou na Justiça e tinha esperança de conseguir autorização para continuar morando no mesmo local, onde mantinha uma pequena criação de gado. Ao lado da esposa, sete filhos e 11 netos, José Irineu residiu por 60 anos na comunidade, numa localidade conhecida como Água Preta e suas terras foram herdadas dos pais. Segundo o vice-presidente da Associação de Pequenos Produtores e Agricultores de São João da Barra (Asprim), Rodrigo Santos, a Codin informou que a área onde ficava o sítio de José Irinei teve que ser desapropriada para passar a linha de transmissão de energia do Porto do Açu.
A moradora Noêmia Magalhães, de 67 anos, é uma das que resiste às intimações da LLX e Codin. Segundo ela, a citação de desapropriação da sua propriedade chegou no dia 23 de julho, mas o seu advogado entrou com processo contra a decisão do governo estadual. “O que está acontecendo aqui no Açu é uma atrocidade que o mundo precisa saber. Um crime contra a população e a natureza. Estamos aflitos, não conseguimos deitar a noite e dormir em paz, por isso estamos adoecendo. Ainda vai morrer mais gente por causa das irregularidades que a Codin e a empresa do Eike Batista estão cometendo. Eu não vou sair da minha casa, não vou”, disse Noêmia. Residindo há 17 anos no Açu, Noêmia conta que construiu sonhos e depositou todas as suas economias na sua propriedade, que ela apelidou de “a morada da minha terceira idade”. Ao lado do marido, ela planta coco e frutas que são usadas para fazer compotas de doces. Por semana, a idosa vende cerca de mil vidros do produto para mercados localizados em São João da Barra e adjacências. O lucro é completamente revertido para sua renda familiar.
Noêmia faz um alerta para questões ainda mais graves que estão acontecendo no Açu em função da desapropriação de terras e desmatamento desenfreado das matas. Segundo a idosa, animais da fauna local estão sentindo as mudanças ambientais e se refugiando nos imóveis ainda ocupados pelos moradores. “Até uma cobra enorme apareceu no meu quintal. Eu estou cuidando dos bichos que estão vindo para cá, até porque com o desmatamento eles não tem como se alimentar e sobreviver, também estão sendo expulsos do seu habitat. É outro crime que também estamos denunciando”, contou ela. 

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