O voto do carioca para vereadores em comunidades pacificadas é mais
bem distribuído do que em favelas ainda dominadas pelo tráfico ou pela
milícia. É o que aponta um levantamento inédito feito pelo GLOBO a
partir dos resultados, por seção, da votação na última eleição. Em
regiões onde não foram implantadas as Unidades de Polícia Pacificadora
(UPPs), a diferença do primeiro para o segundo colocado nas urnas é de
6,5 pontos percentuais, contra 3,5 nas localidades beneficiadas com o
projeto. O que indica mudança no voto pós-UPPs.
Outro
aspecto dessa transformação no perfil das urnas em áreas pacificadas é
comprovada pela concentração de votos que recebeu o candidato primeiro
colocado. Enquanto nas 28 comunidades onde já há UPPs o vencedor
recebeu, em média, 8,92% dos votos, nas favelas ainda sob o domínio do
poder paralelo o mais votado teve, em média, 13,33%. A análise também
revela que, quanto mais antiga é a instalação das UPPs, maior a
pulverização da preferência dos eleitores, reduzindo a força de
candidatos criados nesses locais.
Nas últimas semanas, O GLOBO
produziu uma malha digital a partir dos 1.459 locais de votação na
cidade. Em seguida, uma empresa contratada processou a base de dados de
votação dos candidatos. Com a ajuda de um software de cartografia e
planilhas, foram cruzados os dados eleitorais fornecidos pelo Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) com a base de informações do IBGE das favelas
cariocas e do governo do estado sobre as áreas de Unidade de Polícia
Pacificadora na cidade.
Se antes o perfil das urnas sofria forte
influência do crime organizado, agora, com as UPPs, os candidatos
afinados com a atual política de segurança do governo do estado
dominaram a votação nos territórios beneficiados com a ocupação
policial.
Em 22 das 28 UPPs (79%), candidatos da coligação “Somos
um Rio”, que ajudaram a reeleger o prefeito Eduardo Paes com apoio do
governador Sérgio Cabral, ambos do PMDB, saíram vencedores nas urnas.
Nas outras seis unidades, venceram políticos das bases dos concorrentes
derrotados por Paes, os deputados federais Rodrigo Maia (DEM) e Otávio
Leite (PSDB), e o estadual Marcelo Freixo (PSOL) — duas vitórias para
cada um deles.
Na lista de beneficiados com as UPPs, está, por
exemplo, Rafael Aloísio Freitas (PMDB), filho do ex-presidente da Câmara
municipal Aloísio de Freitas e eleito vereador pela primeira vez. A
base política da família é o Grande Méier (Andaraí, Grajaú, Vila Isabel e
Maracanã), do qual foi subprefeito na gestão de Paes. Rafael, no
entanto, foi o campeão de votos na UPP Nova Brasília, no Complexo do
Alemão, na Penha, onde obteve 10% dos votos dessa região.
— A
mudança de voto do eleitor com a chegada das UPPs é um sinal de uma
maior liberdade política. As pessoas não ficam mais nas mãos de grupos
privados — analisa a cientista política Argelina Cheibub Figueiredo, do
Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Ao mesmo tempo, Argelina explica o domínio de candidatos aliados de Paes e Cabral nas áreas de UPPs:
—
É o que chamamos de voto retrospectivo, quando o eleitor se beneficia
diretamente das ações do Estado, com as políticas públicas, caso das
UPPs. Este eleitor vai votar em quem ele acha o responsável por essas
ações.
Vereadora mais votada nestas eleições, com 68.542 votos,
Rosa Fernandes aproveitou a pacificação e expandiu seu eleitorado,
concentrado até então no Grande Irajá, para a região do Complexo do
Alemão. A parlamentar ganhou na área de influência do Morro da Chatuba e
Parque Proletário com 16,03% dos votos dados aos candidatos ao
Legislativo na região.
Rosa Fernandes, porém, diz não ter votos na região.
—
Os meus eleitores são de áreas formais. Isso não significa que eu não
tenha votos nas comunidades. Mas o peso do meu trabalho não é em favelas
— afirma a vereadora, lembrando que não fez campanha em áreas de UPPs e
nem distribuiu propaganda eleitorais nesses locais.
A tendência
de pulverização do voto conforme o tempo de instalação da UPP pode ser
confirmada na comparação do voto no Morro Santa Marta, em Botafogo,
primeiro a receber o policiamento permanente, após as eleições de 2008,
com a Rocinha, em São Conrado, cuja UPP foi inaugurada em setembro, às
vésperas da eleição. Na unidade de pacificação pioneira, o vencedor foi o
vereador Eliomar Coelho (PSOL), com apenas 3,93% dos votos. Já na maior
favela da Zona Sul carioca ganhou um morador local ligado a associações
de moradores: Leo Comunidade (PTN), com 10,85%, que não foi eleito.
Jorginho
da SOS (PMDB) foi outro líder comunitário que conseguiu transferir seu
vínculo com os moradores às urnas. Foi o mais bem votado em comunidades
abrangidas por três UPPs do Complexo do Alemão, garantindo a reeleição.
Com
apoio de Paes e Cabral, o vereador Chiquinho Brazão (PMDB) foi uma
exceção. Eleito com um total de 35.644 votos, ele conquistou 16% dos
votos da Cidade de Deus, em Jacarepaguá, onde há uma UPP desde 2009.
Além disso, saiu vitorioso em bairros vizinhos dominados por milicianos,
como Gardênia Azul, Rio das Pedras, Tanque e Taquara.
— Nossa
representação política em Jacarepaguá existe há mais de 25 anos. Se
avançamos eleitoralmente em áreas carentes, é sinal de que essas
comunidades se viram livres do poder de pressão das quadrilhas. Quando
há crise de abastecimento de água em Rio das Pedras, quem fica batendo
na porta do gabinete do presidente da Cedae o tempo todo sou eu. Na
Gardênia Azul, consegui costurar um acordo entre os moradores e a Light
para melhorar a qualidade dos serviços — ressalta Brazão, por meio de
sua assessoria.
O mapa eleitoral de 2012 confirma ainda que a
concentração de votos em um único candidato em áreas de milícias é maior
que no restante da cidade. Na Zona Oeste, é quatro vezes maior que na
Zona Sul. A vereadora derrotada Carminha Jerominho (PTdoB), filha de
Jerominho e sobrinha de Natalino Guimarães, acusados de comandar a maior
milícia do Rio e presos desde 2008, foi a mais votada em cinco
localidades em Campo Grande. Após a derrota, em entrevista ao jornal
Extra, a parlamentar acusou um miliciano, conhecido como Toni Ângelo, de
ameaçar cabos eleitorais de sua campanha.
Carência de serviços públicos influi em voto na Zona Oeste
Na
Zona Oeste, o voto está restrito a poucos candidatos. A região, segundo
o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ), possui a maior área sob o
domínio da milicia no Rio. Dos dez locais de votação com a maior
diferença entre o primeiro e o segundo colocado, sete estão nessa área
da cidade. O campeão de votos em uma única localidade é de Sepetiba, no
extremo oeste do Rio. Em quatro dos cinco locais de votação do bairro, o
candidato eleito Willian Coelho (PMDB) venceu com percentuais que
variaram de 30% a 56% dos votos. Durante a campanha, Willian teve apoio
maciço do deputado federal Pedro Paulo (PMDB), coordenador da campanha
do prefeito Eduardo Paes.
Para o cientista político César Romero
Jacob, professor da PUC-RJ, a carência de serviços básicos do poder
público na Zona Oeste influencia na concentração de votos em
determinados candidatos.
— Na Zona Oeste, os serviços funcionam
mal. Os centros sociais dos candidatos criam uma clientela eleitoral e
fazem o trabalho que deveria ser feito pela prefeitura e pelo governo do
estado. As igrejas pentecostais também contribuem para formar essa
clientela. Os pastores passam a ser orientadores políticos da
comunidade. Tem também a forte influência das milícias — analisa Cesar
Romero Jacob.
A tese defendida pelo pesquisador fica clara com a
expressiva votação do estreante nas urnas Tadeu Amorim de Barros Júnior,
o Júnior da Lucinha (PSDB), filho da deputada estadual tucana Lucinha.
Ao todo, ele foi eleito com 31.182 votos. Dos 40 locais de votação em
Santa Cruz, também dominada por milicianos, Júnior foi vencedor em 19.
Enquanto isso, o vereador reeleito com 12.630 votos, Elton Babu (PT),
teve o maior percentual da preferência dos eleitores em nove pontos de
votação. O petista é irmão de Jorge Babu, ex-deputado estadual e
ex-policial acusado pelo Ministério Público de comandar uma milícia na
Zona Oeste e expulso da Polícia Civil por crimes de formação de
quadrilha.
— Sou nascido e criado em Santa Cruz. Não é voto de cabresto. É voto de família — afirma Elton Babu.
O
fator tráfico e violência também é um dos elementos para entender como
vota o carioca. Nessas áreas as escolhas dos eleitores se comportam de
forma similar às áreas de milícia.
No Juramento, na Zona Norte do
Rio, a vereadora do PDT Nereide Pedregal conquistou cerca de 30% dos
votos da região. Em julho, O GLOBO mostrou que Pedregal, que não foi
reeleita, mantinha um centro social funcionando até às vésperas da
eleição.
Enquanto o voto para vereador se comportou de forma
distinta na cidade, com maior concentração nas zonas Oeste e Norte, e
melhor distribuição na região da Barra da Tijuca e na Zona Sul, quando o
assunto foi escolher quem comandaria a prefeitura nos próximos quatros
anos, o carioca não mudou muito o padrão de voto nos quatro cantos da
cidade. A votação recorde do prefeito se repetiu por toda a cidade. O
segundo colocado nas eleições, Freixo conseguiu levar vantagem sobre o
peemedebista em menos do que 30 locais de votação.