No domingo passado, no calçadão de Copacabana, chamavam a atenção duas faixas, uma ao lado da outra. Cada uma era mantida esticada por duas moças vestindo camisetas vermelhas, cor dos bombeiros, muito populares nos últimos meses no Rio.
As faixas chamavam a população para um encontro no Posto 12, Leblon, para o dia 30 de outubro, às 10hs. Em letras azuis, anunciavam: “Fora Governador Sergio Cabral”.
Não tinha aglomeração à volta. Apenas uns homens, também de camisetas vermelhas, distribuindo folhetos de convocação. Eram bombeiros. Indignados. Que conversavam com todos os pedestres, explicando que vão mostrar, no dia 30, a verdadeira face do governador. As pessoas guardavam seus folhetos e, com ar cúmplice seguiam seus caminhos.
Perguntando a um desses bombeiros se já não estava tudo em paz, depois que o governador os chamou de “vândalos” e toda a cidade, pessoas e carros andando com fitas vermelhas, bandeiras vermelhas nas janelas dos prédios em apoio aos homens do fogo, enfim, tudo o que obrigou Sergio Cabral vir a público pedir desculpas. Além do mais, a própria presidenta Dilma sancionou a anistia a todos os envolvidos no protesto que acabou provocando a invasão do Quartel General dos Bombeiros pela PM do Rio.
A resposta foi imediata: “o governador tinha que pedir desculpas. Ele se esqueceu que nossa corporação é vista como de heróis, homens que salvam e resgatam, está sempre disposta a estender a mão e, por isso, é bem vista e querida pelo povo”. E mais: “a presidente sancionou a anistia em evidente puxão de orelha ao malfeito que seu ‘amigo’, o governador fluminense, havia feito”.
O momento se tornou obrigatório para uma conversa informal com um líder dos bombeiros. Longe de frases oficiais, comprometidas, mas transparentes.
Convidei um oficial do alto escalão para analisar, francamente, a atual situação dos bombeiros, suas reivindicações e causas de tanta insatisfação dos militares do fogo.
Num restaurante a quilo, sem que alguém notasse quem éramos, entendi as causas da movimentação do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro.
O oficial, orgulhoso de sua corporação, conta que ela foi fundada por D. Pedro I, em 1856. Os primeiros homens saíram da Polícia Militar criada por D. João VI e, com glamour, sempre foram prestigiados pelo governo federal, ao qual foram ligados até que a capital do Brasil se mudou para Brasília. Desde então, a corporação se tornou estadual.
A partir do governo Brizola – 1982/1990 – os bombeiros passaram também a atender a chamadas médicas. Tinha uma espécie de UTI móvel que, no próprio local do atendimento, servia como sala cirúrgica com todos os equipamentos de um hospital. Essa situação foi mantida até o governo Cabral – a partir de 2006, reeleito em 2010.
Com o desgaste provocado pelo péssimo serviço de Saúde no Estado, o governador resolveu subordinar a Defesa Civil à Secretaria de Saúde. O secretário de Saúde, então, delegou os programas do Samu, Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, com dinheiro repassado pela União, aos bombeiros que, bem vistos e bem quistos pela população, poderiam camuflar imagem de incompetência da Saúde no Rio. E o mesmo aconteceu com as UPAs, Unidades de Pronto Atendimento, onde médicos e atendentes são bombeiros, no que o oficial define como “desvio de função”.
É claro que os veículos trazidos da Alemanha para pronto atendimento, depois de 30 anos, não existem mais. Mas as necessidades da população aumentaram e o atendimento dos telefones 192 (bombeiros) e 193 (Samu) continuava a serem feitos feito com ambulâncias comuns. Ele mesmo lembra que seria impossível a Secretaria de Saúde pagar R$ 6 mil por um pneu de caminhão com escada Magirus, se não tem como comprar bisturis.
Depois do protesto dos bombeiros e suas famílias, com a população apoiando as reivindicações dos bombeiros, a corporação voltou para a Secretaria de Defesa Civil, outra vez com o mesmo status da Saúde.
“A invasão do Quartel General dos Bombeiros foi feita com constrangimento dos soldados da PM, lutando com seus parceiros que faziam reivindicações idênticas às suas”. Ele lembra que, em São Paulo, por exemplo, essa ação seria praticamente impossível, uma vez que a formação de PMs e Bombeiros é feita numa escola única. A opção é feita pelo próprio soldado, quando deixa a escola. E conclui: “em São Paulo, os bombeiros são o freio moral da própria PM.”.
Retornando à Defesa Civil, o 192 volta a ser o número de socorro específico dos Bombeiros. Mas os equipamentos continuam obsoletos. Nem os guarda-vidas que ficam nos postos de socorro das praias têm sequer protetor solar para se proteger ou pé de pato para casos de salvamento.
Além disso, os soldados, que ganham entre R$ 800 e R$ 1.200 no Rio, não têm aumento de vencimentos há anos. E pedem gratificações por tempo de serviço, especialização, insalubridade, periculosidade ou trabalhos específicos – como o de exposição a produtos químicos, por exemplo.
O governador não tem tocado mais no problema dos bombeiros. Se o protesto marcado para o dia 30 de outubro, no Leblon, for bem sucedido, Sergio Cabral não poderá continuar inerte: a população ama os bombeiros.
O povo pode assimilar a indignação dos militares num momento em que, fora as sirenes que soarão nos locais de perigo de deslizamentos de encostas, nada está sendo feito desde a última tragédia do verão passado. E, na área da Saúde, especialistas esperam uma epidemia de dengue no Rio, sem que a Saúde esteja preparada para enfrentá-la. Seja o que Deus quiser…
Ah, o almoço no restaurante a quilo foi bem caseiro. A conversa amena e esclarecedora com o oficial, também.
REVISTA CARTA CAPITAL
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